Questão dos médicos estrangeiros

Vou começar falando de “medicina” de um jeito diferente…..

Sabe quando a gente é pequeno, criança, que brinca e inventa que é profissional de alguma coisa… então pergunto, como perguntei a mim mesmo agora: “quantos coleguinhas de infância diziam que queriam ser médicos/as?” Quantos até adolescência, se perguntados, ainda diziam o mesmo? E aí vem a constatação, pelo menos para mim, que morei em periferia boa parte da minha vida ( e acho que ainda moro…rsrsr): Quantos se tornaram médicos? A minha resposta é nenhum.  E olhe que estudei em escola particular… e mudando do ambiente do bairro para o da escola, minha resposta também é a mesma: nenhum. Conheço alguns que cursaram, primo de alguém, família de fulaninho.. notícias de alegria e vitória.. e exceção e esforço familiar. Alguns que tinham o sonho da medicina, que ainda tive notícias ou algum conhecimento, acabaram pela área  de saúde: são técnicos de enfermagem, técnicos de radiologia, até enfermeiros (os que conseguiram cursar nível superior..). Porque Medicina era quase impossível de se passar no vestibular… e quem poderia ficar 3 ou 4 anos fazendo cursinho ou tentando?  E se passasse, mesmo em uma universidade pública, quem conseguiria ficar 6 anos sem trabalhar  e gastando um bocado? E então o sonho já morria e outros caminhos já eram pensados antes mesmo do vestibular chegar. E isto falo de jovens que estudavam, tinham alguma estrutura familiar de qualquer forma… (e digo também que isto hoje –  alguns anos para cá –  já está um pouco mais mudado.. graças a Prouni, bolsas e outras possibilidades, mas isto é outro assunto… )

E saio do meu plano particular e vou para o geral: Vemos hoje uma multidão de jovens e adultos entre 26 e 35 anos desempregada… e faltam médicos… e faltam profissionais qualificados…  e isto  também é outra discussão.. o fato é que  se precisa SIM de medidas emergenciais, mas obviamente não podemos parar nelas, mas elas são necessárias.

(pequeno parênteses) No mundo corporativo privado há uma leva de estrangeiros chegando e trabalhando no Brasil, e não vi nenhuma entidade de classe fazer movimento ou protesto, exigir revalidação de diplomas, fazer tanto barulho como no programa Mais Médicos..

O fato é que o Brasil NÃO TEM médicos suficientes de acordo com o tamanho de sua população. Isto é fato. E aí não vou xingar nem dizer que é burguês um médico ou médica que tem sua vida estruturada, com seus filhos pequenos ou adolescentes, cheios de amiguinhos, estudando em alguma boa escola e com seu esposo/a devidamente empregado naquela cidade  que não queira ir para o interior do norte passar 2 anos. Ninguém sabe os problemas e necessidades da vida privada de cada um.  A questão é que nossos médicos estão todos ocupados, ou você conhece algum médico desempregado? Eu não conheço. Seja ralando pelo SUS no PSF, UPAS e Hospitais públicos ou em clínicas chiques e caríssimas, eles teriam que fazer uma escolha. O que é muito diferente de alguém que está numa situação de desemprego. Ou dificil para quem não foi formado num sentido de “missionaridade” (inventando palavra já que por hora não acho nada melhor..rsrs).

Então eu verdadeiramente NÃO ENTENDO (entre aspas) essa rejeição que beira a xenofobia com a vinda de médicos de outros países.

Ter o médico faz diferença SIM. A falta de estrutura, mesmo que de forma interligada, é outra coisa. Lutar por condições de trabalho, infraestrutura, medicamento, material…tudo isso é muito justo e claro que o povo apoia, mas dizer que não adianta ter médico se não tem estrutura para mim é uma falácia. ADIANTA SIM. Se fosse assim, a organização Médicos Sem Fronteiras não faria nada… os missões humanitárias na África não fariam nada… porque é com gente que as coisas mudam. Era para nossos médicos receberem os estrangeiros de braços abertos, independente de Revalida (gente, o projeto Mais Médicos é por 3 anos, bem estruturado, cheio de clausulas e limitações…), pois eles seriam (e serão) parceiros nessa luta por estrutura de trabalho, mais uma forma do mundo saber como anda verdadeiramente a saúde no país, ganhariam companheiros. A presença do médico vai trazer a clareza para população daquele lugar longínquo de que eles tem direito a saúde sim, e que isto é mais do que o médico… já o contrário não funciona: ter máquinas e remédios e não ter profissionais… não adianta… acho que o  que o jornalista e professor universitário Thiago Soares colocou em seu facebook hoje foi perfeito:

“Hesitei em me posicionar sobre a questão da “importação” de médicos para atuarem no interior e quinhões periféricos do Brasil por achar tudo muito complexo: corporativismo da classe médica, aversão ao estrangeiro, crítica ao modo de condução da presidenta Dilma. Mas a vaia a médicos cubanos me parece a gota d’água de uma questão que beira a xenofobia. Li uma manchete de jornal – “Os estrangeiros estão chegando” – que, numa citação ambígua, pode tratar os estrangeiros como alquimistas ou marcianos. Antes de serem estrangeiros, estes cidadãos são médicos. Dispostos a enfrentar os problemas de dar assistência de saúde em lugares longínquos. China, Rússia, Índia vivem problemas semelhantes de saúde pública em locais distantes – são, como o Brasil, países continentais. Aqui, ensaia-se uma medida paliativa – sui generis – e que, por isso mesmo, precisa ser testada. Não há medicamentos no interior? Os postos são sucateados? É preciso que haja pessoas nestes locais para fazer pedidos, encaminhamentos. Se não há médicos num posto de saúde de uma micro cidade longínqua, como pedir recurso público? Como articular parcerias com prefeituras e iniciativas privadas? Morei em Cuba e presenciei o médico como um articulador social, uma figura que não está somente para “receitar remédio” mas, sobretudo, um profissional em contato com assistentes sociais, com ONGs, com entidades de classe, etc. Antes de tudo, o médico é um ser social, uma presença que pode sim transformar uma realidade. Desculpem a utopia, mas acredito na presença transformadora. Creio também que nada suplanta o contato físico: o médico e o paciente. O estrangeiro e o nativo. O preto e o branco. O rico e o pobre. Juntos. Olho no olho. Uma imagem de cumplicidade, auxílio e compaixão”

Lembrei-me de quando uma amiga minha disse que, no Brasil, nos  cursos de medicina não se paga cadeiras de psicologia e de humanidades como disciplinas obrigatórias… mas isso também é outro assunto..

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3 comentários

  1. Com respeito a sua colocação e posição, penso que trazer médicos de fora sejam eles de onde forem não resolvem o problema de saúde deste país, se é que isto pode ser chamado assim. A questão de estrutura para atendimento da população é precária sim e falta de tudo neste “país”. Vejamos um exemplo na área da saúde, muitas cidades do interior deste “país” temos ocupando o cargo de secretário da saúde, todo o tipo de profissional, por exemplo comerciantes, açougueiros, professores de matemática, entre outros, pois quem ocupa o cargo é o amigo do prefeito e não um profissional ligado a área que tenha se preparado para ocupar tão importante cargo. e veja, não é só na área da saúde, existem cidades que o secretário da educação não possui nem nível médio completo. Mas vamos observar um exemplo, um médico estrangeiro que pouco domina o idioma local irá atuar no interior do nordeste onde a população também não domina o idioma local e fala uma espécie de dialeto, como se dará esta comunicação, lembrando que estamos falando de seres humanos necessitados de medicação para cura de doenças.
    Como mencionei não estou julgando o seu ponto de vista, mas muita coisa esta envolvida em um atendimento médico além da presença do mesmo ou seja medicações, equipamentos, demais profissionais da área, enfim uma estrutura básica para o atendimento e não somente um médico, uma caneta, um bloco de receituário e um estetoscópio. Permita-me mais uma observação existe cidades neste “país” que estão a menos de 100 km da maior cidade da “nação” onde mulheres gestantes são radiografadas para verificação de posição dos bebês no pré parto por falta de equipamentos de USG- ultrassonografia e profissionais que saibam utilizar o mesmo. Estamos falando aqui da radiação ionizante, a qual é preconizada pela ANVISA como uso exequível ou seja somente usado quando for realmente necessário.
    Se nossos governantes não respeitam os profissionais da saúde ou de outras áreas públicas, pagando salários defasados e exigindo que estes atendam a população da melhor maneira possível que de fato acontece por inciativa dos mesmos que com muita dificuldade procuram sempre que possível se atualizarem.
    Acredito que valorizar mais nossos profissionais e respeita-los dando condições de poderem trabalhar seja numa grande cidade ou no menor município deva ser o primeiro passo a ser tomado rumo a melhoria não só da saúde mas de todas as áreas públicas.
    Infelizmente esta medida de importação de médicos é somente politica visando angariar votos para futuras eleições e reeleições.

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